Quando estamos muito cansados, até mesmo subir um lance de escada pode ser muito difícil. A impressão que temos é que simplesmente não conseguimos mais fazer força alguma. E isso pode ser verdade: não conseguimos mais fazer força. Mas esse conceito, que pode estar correto em muitas situações, pode também dar a idéia errada de que a única coisa que limita o desempenho físico de uma pessoa seja a sua capacidade de fazer força. Não é sempre assim e não é bem assim.
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Nossos músculos, quando exercemos uma atividade física, fazem basicamente dois tipos de ação: exercem força e fazem trabalho mecânico. Por exemplo, fazemos força quando empurramos uma parede. Mas, como a parede não sai do lugar, não fazemos nenhum trabalho mecânico, uma vez que trabalho é consequência não apenas da força, mas, também, do deslocamento. Para ser mais exato, trabalho é o produto da força pelo deslocamento.
Quando levantamos alguma coisa do chão e a colocamos sobre uma mesa, fazemos força, para sustentar o peso daquilo que levantamos. Como nesse caso, diferentemente de empurrar uma parede que não sai do lugar, há um deslocamento, além de força também fazemos um trabalho mecânico.
A diferença dos conceitos de força e trabalho é fundamental tanto para a Física como para entender o que nos limita em uma atividade física.
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A força é um dos nossos limitantes
Conseguimos fazer força até um limite máximo, que depende de quão músculos somos. Por exemplo, quando estamos em pé, fazemos uma força contra o chão exatamente igual ao nosso peso. Lembrando que força é o produto da massa pela aceleração da gravidade (que é aproximadamente 10 m/s2), a força que uma pessoa de 70 kg faz contra o solo é de 700 N (N=newton é a unidade de força no sistema internacional de unidades). E fazemos essa força o tempo todo que estamos em pé sem nenhuma dificuldade. Uma pessoa saudável consegue, mesmo com as pernas flexionadas, carregar outra pessoa. Se ambas tiverem 70 kg, a força feita por quem carrega é de 1.400 N. Uma pessoa bem forte consegue carregar duas outras, sempre mantendo as pernas flexionadas. Entretanto, se mais peso for colocado em suas costas, chegará um momento no qual ela não mais aguentará e suas pernas dobrarão sob a ação de tanto peso. Chegou ao seu limite de força.
O trabalho mecânico não é um limite
Nós temos uma enorme quantidade de energia armazenada no corpo. Mesmo uma pessoa relativamente magra tem energia suficiente para subir a Serra do Mar centenas de vezes. Não há erro, não, é isso mesmo: centenas de vezes! Uma pessoa gorda tem energia suficiente para fazer isso uma quantidade muito maior de vezes. Temos uma capacidade enormemente grande de fazer trabalho mecânico, como subir montanhas, levantar pesos, serrar madeira, empurrar carros etc. Em geral, não é a capacidade de fazer trabalho que nos limita.
Mais um exemplo: uma pessoa com preparo físico razoável – nem precisa ser um grande atleta –consegue subir um morro cujo desnível é de 100 m em não muito mais do que cinco minutos. O trabalho mecânico que ele fez foi elevar seu corpo esses 100 m de desnível. Para isso, considerando a eficiência de nosso organismo para transformar energia química em energia mecânica, é necessário gastar não mais do que a energia disponível em uma fatia de pão.
Uma pessoa sedentária também consegue subir o mesmo morro, mas em um tempo maior, talvez dez ou quinze minutos. Mesmo uma pessoa com péssimo preparo físico consegue subir o mesmo morro: a diferença é que fará isso em um tempo muito grande. Resumindo: não é a energia total dispendida que diferencia essas pessoas quando se trata de subir um morro. A diferença é quanto ao tempo necessário para fazer a mesma atividade.
Potência: um conceito e um limite importantes
Essas comparações entre o tempo necessário para diferentes pessoas fazerem o mesmo trabalho, o mesmo esforço físico, ilustram o outro fato que nos limita: a potência. Potência é o resultado da divisão de trabalho mecânico feito pelo tempo para fazê-lo. Quem vence um desnível de 100 m em cinco minutos produz uma potência duas vezes maior do que aquele que demora dez minutos para fazer a mesma atividade. Esse exemplo ilustra nossa outra limitação, além da força. Não conseguimos subir uma montanha de 100 m de altura em, digamos, 10 segundos, não porque não temos força, mesmo porque a força que fazemos contra o solo é igual ao nosso peso, independente da velocidade que subamos; não conseguimos essa proeza porque não podemos produzir a potência mecânica necessária.
Aqui vai outro exemplo. Uma pessoa saudável consegue fazer uma força de 1000 N ao empurrar um carro. Então, por uma das leis da mecânica (a segunda lei de Newton, para ser exato) e desprezando o atrito, essa força seria suficiente para acelerar um carro de uma tonelada a 1 m/s2. Se a força fosse o único limitante, seria de se esperar que o carro aumentasse gradativamente a velocidade. Mas na nossa experiência do dia a dia sabemos que isso não é verdade: no máximo, conseguimos dar ao carro uma velocidade não superior a alguns poucos quilômetros por hora. Quanto mais rápido estiver o carro, mais difícil é acelerá lo, e não porque o atrito aumenta ou porque ficamos cansados. A questão é a potência mecânica produzida.
Para quem não tem medo de contas, aqui vão algumas. Uma pessoa adulta e saudável consegue produzir uma potência mecânica da ordem de 1000 W usando os músculos de sua perna. Lembrando que potência é o produto da força pela velocidade, ao empurrar um carro ela conseguirá manter uma força de 1.000 N até que ele atinja uma velocidade de 1 m/s (pouco menos de 4 km/h). Na medida em que o carro vai ganhando velocidade além desses 1 m/s, a força que consegue fazer vai se reduzindo, não porque esteja atingindo o seu limite de força, mas porque atingiu o limite da potência mecânica que consegue produzir.
O que nos limita?
A força e a capacidade de produzir potência mecânica são dois limitantes das atividades que fazemos. Se estamos simplesmente fazendo força, sem deslocar nada – por exemplo, estamos empurrando uma parede sólida ou suportando peso em nossas costas – o que nos limita é a força máxima que conseguimos fazer. Quando, entretanto, estamos empurrando ou levantando alguma coisa (por exemplo, nosso próprio corpo ao subir uma montanha), o que nos limita é a potência mecânica que conseguimos produzir.
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